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Universidade Zumbi dos Palmares lança campanha pela erradicação do racismo

A universidade que quer deixar de existir

Carmem Souza
postado em 19/06/2022 06:00 / atualizado em 19/06/2022 06:00
Queremos que o jovem negro e a jovem negra possam circular livremente por todos os espaço sociais, sem qualquer limitação, sem qualquer constrangimento (...) Se isso acontecer, nossa missão foi cumprida
Queremos que o jovem negro e a jovem negra possam circular livremente por todos os espaço sociais, sem qualquer limitação, sem qualquer constrangimento (...) Se isso acontecer, nossa missão foi cumprida" - (crédito: Universidade Zumbi dos Palmares/Divulgação)

Prestes a completar 20 anos, a Universidade Zumbi dos Palmares, primeira instituição de ensino superior voltada para a inclusão de pessoas negras na América Latina, lançou, recentemente, uma campanha baseada em um desejo inusitado: o de fechar as portas o quanto antes. Em entrevista à coluna, o reitor José Vicente, um dos idealizadores da iniciativa, explica por que um centro comunitário responsável pela formação de mais de 2,5 mil alunos em cursos de graduação e pós-graduação precisa desaparecer. “Se isso acontecer, nossa missão foi cumprida”, afirma.

Por que a Universidade Zumbi dos Palmares planeja encerrar as atividades?
O raciocínio é de que o nosso propósito é combater o racismo, a discriminação, a intolerância. É sobretudo combater as exclusões e as desigualdades promovidas pelo racismo e pela intolerância. E que, por conta disso, nossa missão vai deixar de existir assim que essas questões também deixarem de existir no nosso país. Queremos que o jovem negro e a jovem negra possam circular livremente por todos os espaço sociais, sem qualquer limitação, sem qualquer constrangimento em decorrência do seu pertencimento racial e da cor da sua pele. Se isso acontecer, nossa missão foi cumprida.

Como os alunos reagiram à campanha?
A grande maioria achou a ideia bastante criativa e muito esclarecedora sobre os propósitos e a missão. Também gostaram bastante de verem destacadas as suas raízes.

Vocês imaginam um prazo para que a universidade deixe de existir?
O prazo, a meta para a instituição deixar de existir, será quando for alcançado a igualdade racial no Brasil, quando o racismo deixar de existir. Talvez, nos próximos 200 anos.


O que ficaria de legado?
Ficaria um mundo de perfeição, um mundo de fraternidade, um mundo de igualdade, aquele desejado desde Martin Luther King, Nelson Mandela e tantas outras pessoas de bem. Ficaria também o conhecimento que produzimos nesses quase 20 anos. Acabamos entregando para a sociedade paulista e brasiliera, para negros e brancos, um caminho alternativo, diferenciado, de valorizar a diferença, a diversidade, a historicidade. Trilhamos um caminho de pertencimento de parte dos brasileiros, pois esse país, em regra, nunca acatou nossas referências, nossos destaques, nossos valores. Estamos colocando o negro do lado de dentro da Republica.

A campanha é lançada em um ano-chave para as questões da representatividade negra no ensino superior, no ano de revisão da lei das cotas. De que forma essa ideia de Palmares dialoga com isso?
No sentido de fortalecimento desse propósito, de aprofundamento da nossa convicção de que não precisamos de cotas. Nós precisamos de mudança, de transformação, de evolução até que um dia sejam desnecessárias as próprias cotas. Elas são importantes, ajudaram no princípio da mudança, mas elas não dão conta das transformações que são exigidas para que a gente alcance os pressupostos de igualdade, que valorizam a dignidade da pessoa humana. Por exemplo, temos cotas para negros nos bancos escolares, mas não temos a presença do negro entre os professores das universidades, entre os gestores, entre os pesquisadores. Então, elas não resolvem o problema da estrutura, da falta de um estudo superior que valorize a diversidade, a pluralidade, a diferença, que contemple todas as manifestações culturais desse país. Até hoje, continuamos com seis reitores negros para as mais de 300 universidades públicas. É uma dimensão de que só com cotas a gente não dá conta de certas questões estruturais

Mas elas seguem importantes neste momento?
Elas são indispensáveis agora. Elas têm uma relevância extraordinária, são inexoráveis. Mas, por conta desse conhecimento de suas limitações, precisamos reforçar um plano de ações de políticas mais estruturais. Hoje, precisamos muito das cotas, precisamos muito de novas universidades privadas, como a Universidade Zumbi dos Palmares, funcionando a todo vapor. Isso até o dia em que elas se tornem desnecessárias.

Inspiração africana

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. (foto: Universidade Zumbi dos Palmares/Divulgação)

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. (foto: Universidade Zumbi dos Palmares/Divulgação)

A campanha é acompanhada por uma nova identidade visual, idealizada em parceria com a agência Grey. A artista Criola — conhecida por refletir em seus trabalhos a ancestralidade e espiritualidade africana de maneira moderna — inspirou-se em patterns de tribos africanas para o projeto. A artista ressignificou patterns africanos para criar ícones que representam cada uma das áreas de conhecimento lecionadas na Zumbi. Por exemplo, o pattern criado para representar os cursos de direito foram inspirados na “Balança da Justiça” comumente difundida em várias civilizações além das africanas.

» REPRESENTATIVIDADE


ENTRETENIMENTO DEIXA A DESEJAR

Um estudo global mostra como o público avalia a forma com que as empresas de entretenimento lidam com a questão da representatividade nas telas. Os brasileiros e moradores de outros 14 países participaram da sondagem. Por aqui, a avaliação é de que há muito a melhorar:

89%
dizem que empresas que produzem conteúdo de entretenimento precisam se comprometer com o aumento da representatividade nas telas.

91%
concordam que o modo como grupos e identidades são retratados no conteúdo audiovisual influencia a percepção que as pessoas têm desses grupos e identidades na vida real.

24%
dos negros brasileiros sentem que são representados como perigosos e 23%, como criminosos.

61%
daqueles que se sentem mal representados dizem que isso os faz se sentir sem importância, ignorado ou decepcionado.

61%
acreditam que esse cenário de representatividade deve melhorar nos próximos cinco anos.

*Foram entrevistadas mais de 15 mil pessoas. O levantamento foi feito para a Paramount Global, proprietária do portfólio que inclui Paramount+, Pluto TV, MTV, Nickelodeon e Comedy Central.

RECADO DE UM MESTRE

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. (foto: Estevam Avellar/Globo/Divulgação)

Morto no último dia 30, aos 88 anos de idade, o ator Milton Gonçalves deixa como um dos legados uma batalha incansável para que atores negros e negras tivessem mais e melhores espaços na produção audiovisual brasileira. Com mais de 40 novelas no currículo, ele era também um apaixonado pelo cinema, mas recusou vários papéis por não se sentir representado. “Queria ter feito mais filmes, mas não existiam personagens negros como protagonistas. O que havia eram participações ou folclore, o que é complicado (...) Somos metade da população. Temos de estar em todas as manifestações”, disse em entrevista ao jornal Estado de Minas, em 2015. Um dos últimos trabalhos do ator foi os especial Juntos a Magia Acontece. Ao lado das atrizes Camila Pitanga e Gabriely Mota (também na foto), Milton interpretou um papai noel negro.

NA POLÍTICA, COALIZÃO BUSCA NOVO CENÁRIO

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. (foto: Instagram Coalizão Negra por direitos)

A Coalizão Negra por Direitos lançou o Quilombo nos Parlamentos, uma iniciativa de apoio a mais de 50 pessoas ligadas ao movimento negro que planejam concorrer a cargos no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas. São candidaturas em 20 unidades da Federação, incluindo o Distrito Federal, de lideranças ligadas a seis partidos: PT, PSol, PCdoB, PSB, PDT e Rede. Coordenador da Uneafro Brasil e integrante da coalizão, o historiador Douglas Belchior explica que o objetivo do grupo é incluir pautas de interesse da população negra na agenda da política nacional. “Somos derrotados cotidianamente nas ruas, com direitos negligenciados e ameaças constantes às nossas vidas. Se tivermos uma bancada negra em Brasília, isso pode mudar”, justificou. Quase metade das candidaturas é para a Câmara Federal.

» PARTICIPE

INFORMÁTICA PARA MULHERES

O programa Todas em Tech tem como objetivo ensinar programação para mulheres mirando a empregabilidade. A iniciativa é aberta a candidatas em situação de vulnerabilidade social, econômica e de gênero, priorizando negras, trans e travestis. Há 120 vagas, e o curso, no formato on-line, tem início previsto para 13 de agosto. Serão 18 semanas de qualificação em JavaScript, linguagem com alta demanda no mercado. A iniciativa é fruto de uma parceria entre a {reprograma} e o Laboratório de Inovação do Grupo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID Lab). As inscrições estão abertas até o próximo dia 27, em https://reprograma.com.br/todas-emtech.html .

APOIO A PESQUISADORES

A Fundação Tide Setubal e o Itaú Cultural lançaram o primeiro edital da plataforma Ancestralidades, cujo objetivo é valorizar a pesquisa. Serão contemplados pesquisadores negros em instituições acadêmicas e culturais com um trabalho focado nos saberes da população negra brasileira e que dialogue com as demandas sociais da atualidade. Até 12 iniciativas poderão ser beneficiadas com R$ 10 mil (caso o projeto esteja em andamento) ou R$ 15 mil (se estiver concluído). As candidaturas devem se enquadrar em uma das seguintes áreas temáticas: tecnologias ancestrais afro-brasileiras aplicadas à contemporaneidade; desenvolvimento territorial, regeneração ambiental, ecologia e revitalização urbana e rural; ou ética e justiça racial nas tecnologias de informação e comunicação. Inscrições até amanhã, em www. ancestralidades.org.br 

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